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  • ARTIGO: CORAGEM MEUS CONTERRÂNEOS BAIANOS. DIAS MELHORES VIRÃO.

    Bombeiros resgatando vítimas da enchente em Itabuna, em dezembro de 2021. Foto original: Oziel Aragão.

    Foi no ano de 1947. Eu tinha apenas sete anos de idade quando uma enorme e pavorosa enchente atingiu a cidade de Itabuna na Bahia. A nossa casa era uma vivenda humilde de paredes de taipa. Estávamos reunidos na pequena sala quando presenciamos, movidos de horror, o desmanchar de um lugar que construímos com muito trabalho e sacrifício. Éramos pobres demais. As chuvas torrenciais encharcaram  a estrutura e tudo veio a baixo. A cobertura era em parte de telhas de zinco e essas ficaram sustentadas pelos fragmentos de madeira que teimavam em manter-se de pé. Todos fomos salvos por determinação de Deus. 

    O rio Cachoeira não inundou também aquele humilde lugar porque ficávamos na parte mais alta do bairro do Pontalzinho. Tudo em volta estava inundado. Muitos de nossos vizinhos se foram, levados pelas águas furiosas do rio, bem como todos os seus pertences. Fomos recolhidos e levados para um abrigo num barracão às margens da linha do trem junto a essa praça que hoje tem o Forum. Lá ficamos até que foi possível ter ajuda dos governantes, da época, para reconstruir uma nova e pequena casa. 

    Enquanto estávamos vivendo de maneira provisória em um lugar onde havia muitas famílias, nos alimentávamos com as doações provindas das pessoas generosas  que nos servia pela manhã um café com um pão, no almoço uma mistura de feijão com arroz e de vez em quando um pedaço de carne. E assim ficamos por seis meses, nesse lugar, desprovidas de tudo que um ser humano precisa para as suas necessidades diárias.

    No ano que antecedeu esse acontecimento a minha família tornou-se membro da primeira Igreja Batista que ficava nas proximidades e, uma vez por semana, podíamos tomar um banho rápido depois de enfrentar  longa fila. Sobrevivemos, embora as lembranças não tenham se apagado.

    Desde que os noticiários nos informaram dessa catástrofe fiz-me solidária aos meus queridos conterrâneos.  Dei uma contribuição monetária, como também tenho orado a Deus para que tudo volte ao normal em breve.

    Lembrem-se de que vocês não são os únicos no planeta terra que estão passando por esse sofrimento. O mundo está em aflição permanente. Problemas da natureza e outros, talvez, bem maiores, como a falta de solidariedade, amor, compreensão de alguns humanos está deixando esse mundo cruel. As agressões físicas e emocionais que acontecem diariamente, em todos os lugares, com muitos indivíduos,  nos conscientiza estar a vida sem o valor que ela merece. Acreditar em Deus e orar, diuturnamente, é a meu ver, a única solução que nos resta.

    Por outro lado, por toda a história da humanidade a vida foi marcada por grandes e terríveis acontecimentos. Sobreviver nesse mundo é um desafio constante. Precisamos de muita coragem para não  se perder a fé por dias melhores.  Há, ainda, muitas pessoas que se compadecem das angústias do seu próximo e tudo fazem para minorar os impasses que se acometem. Como o mundo está a  cada dia menor com a tecnologia as notícias chegam rápido a todos os lugares. Bem aventurados são aqueles  que ainda não perderam a magnitude de ser humano  e se mobilizam para ajudar os necessitados. Tenham consciência de que em breve tudo passará e vocês voltarão a viver em outros termos. Nada é permanente neste mundo. 

    Finalmente, gostaria de lembrar aos meus conterrâneos que estive em Itabuna no final de outubro de 2019,  depois de 61 anos de ausência, onde fui homenageada pela Câmara de Vereadores pelas minhas obras literárias que estão espalhadas pelo mundo.

    Não poderei e nem deverei esquecer as minhas raízes e creiam que estarei com todos vocês em minhas orações e tenho certeza que quando pedimos alguma coisa para Deus com fé, humildade e confiança Ele nos atende. Coragem meus queridos conterrâneos. Haverá, em breve, um novo amanhecer onde o sol voltará a brilhar. Um grande abraço para todos com muito carinho.

     

    Elilde Browning

    Professora e escritora.

     

  • CASTELOS DE AREIA

    Eu não sou os lindos templos que já pisei. Eu não acredito na coerência disfarçada dos padres, pastores, monges, gurus e dirigentes espirituais. Nem na falsa capacidade de convencimento em troca da ganância pelo poder. Eu vejo olhos sem máscaras. Eu escuto falas sem filtros, mas isso me custou um preço bem alto. Como uma flecha cega me lancei para as minhas próprias experiências, para que então a verdade fosse revelada: do belo aos olhos para o podre aos sentidos.

    A estrutura religiosa é historicamente doente, com pessoas ambiciosas suficientemente nocivas e com ‘lugares santos’ que acobertam podridões em nome da fé. Doutro lado o tribunal do século XXI se tornou a internet, onde abusadores e abusados são colocados numa mesma régua e mede-se cada um de acordo ao bel prazer, sem empatia e respeito. Separando-os em dois grupos: os que tinham o perfil de abusar e daqueles que tinham o perfil de seduzir.

    Essa realidade não está distante de nós, acontece diuturnamente debaixo de nossos narizes. Noutro dia foi o João de Deus com a acusação de mais de 350 mulheres, ontem os monges do mosteiro de São Bento, em São Paulo, Sri Prem Baba, Tadashi Kadomoto, tantos sacerdotes espalhados neste mundo, carregados de um padrão e ‘modus operandi’ impecável, mas que como sempre, muitos casos são varridos para debaixo de um tapete sepulcral.

    Uma decisão ou entendimento desse monte não é compreendido do dia para a noite. Quando passa a ser externado, já culminou pelo duro silêncio, para então torná-lo compreensível, logo depois os seus traços em nossos corpos nus passam a reverberar. A visibilidade que intimida acobertada mediante o medo, a culpa e a coerção.

    E não precisa haver celibato e repressão para que o abuso e o estupro aconteçam. As políticas intimidadoras – e silenciadoras – das religiões (ou mesmo daqueles lugares onde não dizem ter religião declarada!) não são mais surpresa, assim como não fazem parte da exclusividade. Afinal, quantos abusadores são casados e sustentados pelos próprios templos em que assediam homens, mulheres e crianças e os mantém dentro do seu trono intocável? De um lado marcas regadas a dor na vida de muitas vítimas e para muitos abusadores será apenas mais um número ou troféu.

    Quando algo acontece conosco – ou bem pertinho de nós – nos roubam a finitude, o lirismo e a esperança. O lugar sagrado da fé é composto por bases como: a inocência, entrega, fidelidade e verdades, sendo um completo crime transformá-lo a nossa fé em um castelo de areia. As minhas cicatrizes, para além do físico, se transformaram em um trampolim, carregado de força para lutar por aquilo que acredito verdadeiramente e para não permitir que o passado se repita no futuro.

    Como alguém que tentou ser silenciada após uma série de abusos, posso lhe afirmar, caso já tenha passado por alguma experiência semelhante: abandone a culpa, a dor e o medo. A doença não está em você. Busque ajuda profissionalizada para então se acolher.

    E não, eu não estou aqui para demonizar credos. Estou aqui em tom de alívio, depois do silêncio; com o ar de vitória pelo desvinculo, por energeticamente ter me doado, e consequentemente ter sido sugada ao extremo, e com a certeza somente o amor cura, seja o de quem estende o coração ou de quem entende da nobreza do próprio amor.

    Eu sou o instante feito de agora. Sou a urgência da vida. E voltar a caminhar em passos seguros depois de tanta insegurança me traz a certeza de que não preciso me reduzir para caber em olhos, expectativas, tampouco em caixas. Não sou nada disso. Ou sou apenas tudo isso, para além do visível.

    Mas como disse o Apóstolo João lá no novo testamente: “Deus é amor”. E eu acrescento com a devida licença poética: Os homens nem sempre.

    Que eu siga desconstruindo para construir, mas sem esquecer que meu corpo, minha casa, e meus sentidos é o meu templo genuíno e aqui está tudo interligado. Meus universos inventados são melhores do que qualquer outro.

    Sou mais do que o namastê e gratidão dito da boca para fora. E se perguntarem por mim, pode afirmar que eu sou do mundo. E é somente lá que eu me caibo.

    Juliana Soledade é advogada, escritora, empresária e teóloga. pós-graduada em Direito Processual Civil e Direito do trabalho.

    Escritora do cotidiano que enxerga nas miudezas a possibilidade de orquestrar palavras. Autora dos livros: Despedidas de Mim, Diário das Mil Faces e 40 surtos na quarentena: para quem nunca viveu uma pandemia. E conclui o seu quarto livro, sobre o Caminho de Santiago para lançamento no próximo semestre.